Há tão diversas espécies de homens como há diversas espécies de animais, e os homens são, em relação aos outros homens, o que as diferentes espécies de animais são entre si e em relação umas às outras. Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruéis, outros como leões, mantendo alguma aparência de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofício é enganar!
Quantos homens não se parecem com os cães! Destroem a sua espécie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa. Há lebréus de trela que vivem do seu mérito, que se destinam à guerra e possuem uma coragem cheia de nobreza, mas há também dogues irascíveis, cuja única qualidade é a fúria; há cães mais ou menos inúteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há até cães de jardineiro. Há macacos e macacas que agradam pelas suas maneiras, que têm espírito e que fazem sempre mal. Há pavões que só têm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam.
Há pássaros que não se recomendam senão pela sua plumagem ou pelas suas cores. Quantos papagaios falam sem cessar, sem nunca compreender o que dizem; quantas pegas e gralhas são domesticadas para roubar; quantas aves predadoras vivem da rapina; quantas espécies de animais agradáveis e tranquilas servem apenas para alimentar outros animais!
Há gatos, sempre à espreita, maliciosos e infiéis, que deslizam com patas de veludo; há víboras de língua venenosa, sendo o resto útil; há aranhas, moscas, percevejos e pulgas, que são sempre incómodos e insuportáveis; há sapos, que nos horrorizam e que têm peçonha; há mochos, que temem a luz. Quantos animais não vivem sob a terra para se manter! Quantos cavalos, que utilizamos para tantos fins, não abandonamos quando já não servem mais; quantos bois não trabalham uma vida inteira para enriquecer aqueles que lhes impõem o jugo: as cigarras, que passam a vida a cantar; as lebres, que têm medo de tudo; coelhos, que se espantam e acalmam num instante; porcos, que vivem na crápula e na imundície; patos mansos, que atraiçoam os seus congéneres, atraindo-os a armadilhas, corvos e abutres, que vivem apenas de podridão e de cadáveres! Quantas aves migratórias não voam tantas vezes de um extremo ao outro do mundo e se expõem a tantos perigos para sobreviver! Quantas andorinhas, sempre atrás do bom tempo; quantos escaravelhos, inadvertidos e sem objectivo; quantas borboletas à procura do logo que as queima! Quantas abelhas, que respeitam o seu chefe e vivem com tanta ordem e trabalho! Quantos zangãos, vagabundos e mandriões, não procuram estabelecer-se à custa das abelhas! Quantas formigas, cuja previdência e economia provêem a todas as suas necessidades! Quantos crocodilos fingem queixar-se para melhor devorar aqueles que são sensíveis às suas queixas! E quantos animais se submetem porque ignoram a sua força!
Todas estas qualidades se encontram no homem e ele procede, em relação aos outros homens, como os animais de que acabamos de falar procedem entre si.
"(...) Meu Deus, e dizer que a vida é isso, que é por isso que a gente se veste, se lava, se faz bonita e que todos os romances são escritos, e que se pensa nisso o tempo todo e finalmente eis a que se reduz: vai-se para um quarto com um homem que quase nos sufoca e que no fim nos deixa o ventre molhado. (...)". [Jean-Paul Sartre, "Intimidade", em "O Muro"].
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
"Amor livre? Por acaso o amor pode ser outra coisa mais que não livre? Sim, o amor é livre e não pode crescer em nenhum outro ambiente. Em liberdade, se entrega sem reservas, com abundância, completamente. Todas as leis e decretos, todos os tribunais do mundo não poderão arrancar-lhe do solo em que fincou suas raízes. O amor não necessita de proteção, porque ele se protege a si mesmo". [Emma Goldman].
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Amor, então, também, acaba? Não, que eu saiba. O que eu sei é que se transforma numa matéria-prima que a vida se encarrega de transformar em raiva. Ou em rima.
Para ler ao som dos capixabas do Conjunto Musical Merda.
que de certa forma herdamos, como, por exemplo, o hábito de tomar muitos banhos e limpar o corpo para evitar doenças, além dos inúmeros remédios e vacinas naturais que também fazem parte desse cuidado de si, que é também um cuidar dos outros na medida em que em situações como as de pestes, por exemplo, o cuidado para não disseminar o que pode destruir a própria tribo mostra um senso coletivo que em tribos urbanas de descendentes de índios também percebemos hábitos higiênicos mesmo em piores situações econômicas, o que faz com que as comunidades continuem resistindo em várias favelas nas situações mais precárias de saneamento básico, sem água, sem energia, sem gás, sem esgoto, sem banheiros, mas ainda assim repassando o cuidado de si nos inconscientes coletivos de quem possui raízes indígenas em sua descendência, diferentemente dos europeus, que colonizaram as Américas e a África, mas que não gostam sequer de banhos de mar...
a língua é lânguida, fluida, múltipla, plural, dinâmica, linguagem é mandinga, malandragem, ginga, esquiva, paranauê, giro, arrodeio, drible, desvio, é ida, vinda, volta, não é um cristal, uma rocha, um castelo, uma floresta, um quartel, uma prisão, é um campo aberto, uma floresta, uma praia, um deserto, um rio, um riacho, uma cachoeira, um açude, uma onda, um mergulho, é um labirinto, uma encruzilhada, uma selva, é híbrida, poligrafa, polissêmica, diversa, controversa, é lenta, é rápida, é incompleta, é infinita, limitada, ampla, sublime, áspera, leve, lisa, frouxa, não é uma mônada, uma bolha, nem uma cela, é arte, é história, é religião, é ciência, é política, é morte, é vida, é fátua, é acaso, é sentimento, pulsão, tesão...