terça-feira, 21 de janeiro de 2020

"Há uma velha ilusão chamada bem e mal. A roda dessa ilusão girou, até agora, em torno de videntes e astrólogos.

Outrora, se acreditava em adivinhos e astrólogos: por isso acreditava-se: 'Tudo é destino: tu deves, pois tem de!'.

Então se desconfiava de todos os adivinhos e astrólogos: por isso acreditava-se: 'Tudo é liberdade: tu podes, pois queres!'.

Ó meus irmãos, sobre as estrelas e o futuro  houve apenas ilusão e não conhecimento até agora: por isso, sobre bem e mal houve apenas ilusão e não conhecimento até agora!"

(Nietzsche, Assim Falou Zaratustra - um livro pra todos e pra ninguém, "Das velhas e novas tábuas",  1885, tradução de Paulo César de Souza).

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Por um Camus menor,

é preciso criar uma língua dentro da linguagem camusiana, potencializando devires minoritários quase imperceptíveis, produzindo assim uma torção, criando dobras na sua escritura para dizer com ele o que ele não disse, desterritorializando seus devires de escritor e romancista e contista e dramaturgo e ensaísta e jornalista etc. em uma perspectiva molecular, fazendo vazar no seu pensamento novas potências diferentes ainda pouco experimentadas na atualidade, como diriam Deleuze e Guattari em "Kafka: por uma literatura menor" (1975).


sábado, 11 de janeiro de 2020

A guerra começou, onde está a guerra?

"A guerra começou. Onde está a guerra? Fora das notícias em que se deve acreditar e dos anúncios que se deve ler, onde encontrar os sinais do absurdo evento? Ela não está nesse céu azul sobre o mar azul, nesses cantos estridentes de cigarras, nos ciprestes das colinas. Não é esse recente aumento de luz nas ruas de Argel.

Queremos acreditar nela. Procuramos seu rosto e ela nos recusa. Somente o mundo é rei de seus rostos magníficos. 

Ter vivido no ódio dessa besta, tê-la diante de si e não saber reconhecê-la. Tão poucas coisas mudaram. Mais tarde, sem dúvida, surgirão a lama, o sangue, a imensa repugnância. Mas por hoje provamos que o início das guerras é parecido com os princípios da paz: o mundo e o coração os ignoram".

(Albert Camus, Cadernos, 1939-42, "A guerra começou, onde está a guerra?", tradução de Raphael Araújo e Samara Geske).


sábado, 28 de dezembro de 2019

Em 1949 Camus visitou o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, que era coordenado por Nise da Silveira. Deixou registrado em seu diário no dia 24 de Agosto o seguinte: "Levanto-me um pouco melhor ainda. Agora a partida foi marcada para sábado. Visitas pela manhã, e volta ao cansaço. A tal ponto que resolvo não almoçar. Às 13:30, Pedrosa e sua mulher vêm buscar-me para ir ver as pinturas dos loucos, no subúrbio, num hospital de linhas modernas e com uma sujeira antiga. O coração se confrange vendo os rostos por trás das grades das janelas. Dois pintores interessantes. Os outros, sem dúvida, têm material para fazer extasiarem-se nossos espíritos avançados em Paris. Mas, na realidade, é tudo feio. Mais impressionante ainda na escultura, feia e vulgar. Fico apavorado ao reconhecer, num jovem médico-psiquiatra do estabelecimento, o rapaz que no início me formulou a pergunta mais tola que já me fizeram em toda a América do Sul. É ele quem decide o destino desses infelizes. Aliás, ele mesmo muito atacado. Porém, fico ainda mais aterrorizado quando ele anuncia que fará a viagem a Paris comigo, no sábado; 36 horas trancado com ele numa cabine metálica, é a última provação.
À noite, jantar em casa dos Pedrosa, com gente inteligente. Chuva forte na volta."


sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

"Se amar bastasse, as coisas seriam simples.

Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de amor. É ridículo representá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo o seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento. Por isso, cada uma delas espera lhe oferecer o que ninguém nunca lhe deu. Em todas as vezes elas se enganam profundamente e só conseguem fazê-lo sentir necessidade dessa repetição. 'Por fim', exclama uma delas, 'te dei o amor'. Não surpreende que Don Juan ria dela. 'Por fim? Não' - diz ele - 'outra vez.' Por que seria preciso amar raramente para amar muito?" (Albert Camus, O Mito de Sísifo - ensaio sobre o absurdo, "O Donjuanismo", p. 83, tradução de Ari Roitman e Paulina Watch).


sábado, 21 de dezembro de 2019

"Quem é cercado pelas chamas do ciúme acaba, tal como o escorpião, voltando contra si mesmo o ferrão envenenado." (Nietzsche, "Assim falou Zaratustra - um livro para todos e para ninguém", "Das paixões alegres e doloridas", 1883).

Nietzsche