segunda-feira, 11 de novembro de 2013

No caminho, sem Maiakóvski.


Assim como o adulto
orgulhosamente destrói
a imagem do herói,
assim me distancio de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer,
não andarei ombro a ombro
com um poeta soviético.
Nunca li teus versos
mas tenho coragem também.

Tu não sabes,
não conheces melhor do que eu
a nova história.
Na primeira noite nós nos aproximaremos
e roubaremos uma flor do jardim deles.
E eles dirão muitas coisas.
Na segunda noite, já não nos esconderemos:
pisaremos nas flores, mataremos seu cão
e eles não dirão nada.

Até que um dia, o mais frágil de nós,
entra sozinho na casa deles,
rouba-lhes a luz e, mesmo
conhecendo a coragem deles,
arranca-os a voz da garganta
e eles já não poderão dizer nada.

Nos dias que correm,
a todos é dado repousar a cabeça,
alheia ao terror.
Os orgulhosos levantam a serviz;
e nós, que também não temos
pacto algum com os senhores do mundo,
não temeremos, não calaremos.
No barulho de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e construímos um levante.

E amanhã, se preciso,
diante do juiz os meus lábios
não calarão a verdade e
ninguém será capaz de me destruir
como um foco de germes.

Olho ao redor e o que vejo
e acabo por repetir são verdades.
Nossas crianças mal sabem dizer mãe
mas a propaganda não lhes poderá
destruir as suas consciências.

Não deixarei que me arrastem
à porta dos templos me pedindo
que aguarde até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.

Mas eu sei, mesmo se estiver
amedrontado a ponto de cegar,
que ela tem uma espada
a nos espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Não vamos ao campo,
mas os vemos ao nosso lado, nas ruas.
Ao tempo da colheita,
não os deixaremos roubar
até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder
e agora o teremos ao nosso favor.

Vamos defender os nossos lares,
nos rebelaremos contra a opressão
e não deixaremos que os soldados
marchem sobre nós.

Não calarei por temor,
nem aceito a condição
de falso democrata.

Nem rotularei meus gestos
com a palavra liberdade,
sem procurar esconder
a minha dor em um sorriso
diante de meus superiores.

Fora de mim,
com a potência
de apenas uma voz,
o coração grita - VERDADE!

(A minha resposta a Eduardo Alves da Costa).

domingo, 10 de novembro de 2013

sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor
pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava
no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus
como você me doía vezenquando eu vou ficar esperando
você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma
praça então os meus braços não vão ser suficientes para
abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta coisa
que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você
sem dizer nada só olhando olhando e pensando meu deus
ah meu deus como você me dói vezenquando

[Caio F. - trecho do livro O Ovo Apunhalado].

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Hoje Albert Camus faria 100 anos.


"Pelo fato de eu ser mulher - e, portanto, como era feudal, não inteiramente uma igual, -, acontecia-lhe confiar-se intimamente a mim: mandava-me ler passagens de seus caderninho de anotações, falava-me de seus problemas particulares. Voltava muitas vezes a um tema que o preocupava: seria preciso um dia escrever a verdade! O fato é que havia nele um fosso mais profundo que em muitos outros entre a vida e a obra. Quando saíamos juntos, bebendo, conversando, rindo, tarde da noite, ele era engraçado, cínico, meio canalha e muito gaulês em suas falas; confessava suas emoções, cedia aos seus impulsos; podia sentar-se na neve, à beira de uma calçada às duas da manhã, e meditar pateticamente sobre o amor. 'É preciso escolher: o amor ou dura ou queima; o drama é que não pode durar e queimar ao mesmo tempo'. Eu gostava do 'ardor' com o qual ele se entregava à vida e aos prazeres [...]".

[Simone de Beauvoir em Force of Circunstance apud Camus e Sartre: o polêmico fim de uma amizade no pós-guerra - Ronald Aronson].

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Engajamento sem responsabilidade é coisa de poser,

não adianta simplesmente reclamar da política e dos políticos quanto à resolução dos problemas sociais e não se organizar minimamente de forma coletiva na prática cotidiana, pois é fácil na esfera do discurso reproduzir o combate alheio e incentivar a violência por trás de um computador ou um birô, mas assumir as posições colocadas e ir para a prática para além da esfera do discurso é muito mais difícil, exige grandes responsabilidades que nem sempre quem reclama das injustiças é capaz de minimamente assumir, é como incentivar as pessoas a pegar em armas sem nem sequer saber atirar, como geralmente fazem os "radicais chiques" e o engajamento não pode se resumir apenas a ir às ruas segurar cartazes e enfrentar os militares e postar na internet ou aparecer na TV, a revolução do cotidiano é praticamente invisível, a responsabilidade exige muito mais o anonimato, até porque quando se aparece demais torna-se muito mais estrelismo do que engajamento...

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Os Black Blocs deixaram os militares mais fortes,


mais bem preparados, mais bem organizados, melhor estruturados, melhor equipados e mais violentos, na medida em que a polícia para cumprir certas ordens necessita de certas desculpas para mostrar a sua força, o Black Block abre espaço para que o espetáculos dos militares se manifeste, ainda que de maneira até certo ponto comedida, quando sabemos que o poder militar brasileiro é muito maior do que temos visto nas ruas, pois desde a Ditadura Militar sabemos que bombas de gás e balas de borracha são o de menos quando eles verdadeiramente querem mostrar do que são capazes contra as manifestações e as chamadas vanguardas revolucionárias certamente não devem estar preparadas para uma reação militar de verdade e o resto do povo, ainda que oprimido diariamente pela polícia, ainda está longe de estar organizado contra os militares para enfrentar uma guerra civil, sem contar que há muitas pessoas que apoiam os Black Blocs, mas a maioria nem sequer esteve nas ruas junto deles...

sábado, 2 de novembro de 2013

A noite/1.

Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

Eduardo Galeano - Mulheres.