quarta-feira, 10 de agosto de 2016

“Como dizer para nomeá-la? Não direi vulva, vagina, boceta, babaca, não direi, como então designá-la? Ai falta-me o dom da poesia para criar a imagem justa, encontrar comparação para a incomparável. Queria coroá-la com as flores do poema, falta-me a inspiração do bardo, a frágua mágica do vate, prosador terra-a-terra não sei como denominá-la, não a mereço.

Flor de cactos, trago de aguardente, cratera de vulcão, a engole-pau, a feita de cravo e de canela, poço sem fundo, porta-do-oriente, mansão de árabe, mesquita, precipício, a xoxota em fogo de Gabriela.

La chatte de madame, pasto de miosótis, campo de papoulas, chão dos prazeres, mapa do refinamento, mestra de meninos, gata em cio, matriz do ipsilone, o xibiu doutor honoris causa de Tieta.

Os três vinténs, a vendida, a comprada, a violada, a conspurcada, fonte de mel, barra da manhã, luz de candeeiro, labareda, nascente d’água, foz de rio, concha do mar, ai a boca do mundo de Tereza.

Não direi rosa chá, marulho, fogo do inferno, bálsamo da estrovenga, o altar-mor, a gruta escura, a aurora, a noite, a estrela, a colina do deleite, o ostíolo, a buça de chupeta, a madona, a contadina, a pazza, a louca de albano, la mamma, a prova dos nove, os nove-fora, lar da pudicícia, porta de devassidão, apocalipse, não direi abismo onde faleço e ressuscito, não direi mãe de Deus, mulher do cão.

Irei buscá-la onde um dia a coloquei para resguardá-la, a escondi lá onde sabes, no xis de dona Flor, e direi a peladinha de Euá. Direi a peladinha e tu entenderás que a ela me refiro, tomarás da chave da adivinha e abrirás a porta do tabernáculo, cavaleiro e montaria, amazona bravia e árdego ginete percorreremos os caminhos. Minha égua se chama a peladinha, teu cavalo se nomeia o bom de trote e de galope.

Na hora derradeira quero nela pousar a mão, tocar-lhe a penugem, a pétala do grelo, sentir-lhe a doce consistência, a maciez, nela depositar meu último suspiro…”


(Jorge Amado, em Navegação de Cabotagem)

http://www.socialistamorena.com.br/jorge-amado-as-mulheres-e-as-flores-da-chapada-diamantina/

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Quando eu era artista, eu tinha um devir-bruxo,

pois, assim como os artistas, os bruxos mudam as coisas, criam, transfiguram, mas hoje em dia eu acho que o único truque que ainda sei fazer é o de desaparecer...

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Sugestões para atravessar Agosto II:

trepe,
chupe,
lamba,
cheire,
beije,
morda,
aperte,
alise,
azunhe,
arranhe,
belisque,
suspire,
gema,
goze,
grite...

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Sugestões para atravessar Agosto.

rebele-se,
lute,
enfrente,
denuncie,
combata,
proteste,
organize-se,
exija,
defenda,
deseje,
reivindique,
brigue,
reclame,
pense, aja, revolte-se...

domingo, 31 de julho de 2016

Espinosa tinha razão, o ciúme é uma paixão triste,

pois o ciúme se aproxima da inveja, já que o ciúme é "um sentimento simultâneo de amor e de ódio, acompanhado da ideia de outro de quem se tem inveja" (Ética, III, Escólio da Proposição 35). E para ele a inveja é "uma tristeza diante da felicidade de alguém" (Ética, III, 23). O ciúme resulta da "imaginação de que a coisa amada se une a outro, de modo a impedir de fruí-la sozinho" (Ética, III, Proposição 35). O ciúme resultado da imaginação diminui a potência do agir, então o combate ao ciúme é uma afirmação das paixões alegres, que aumentam a nossa potência de existir. Não há nada de positivo no ciúme: é uma tristeza que se transforma em ódio quando o amor parece estar ameaçado, transfigurando-se no oposto do amor.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Quem não ama a solidão, não ama a liberdade.

Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas. 

Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas ações, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo. 

Antes de mais nada, toda a sociedade exige necessariamente uma acomodação mútua e uma temperatura; por conseguinte, quanto mais numerosa, tanto mais enfadonha será. Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre. 

A coerção é a companheira inseparável de toda a sociedade, que ainda exige sacrifícios tão mais difíceis quanto mais significativa for a própria individualidade. Dessa forma, cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um sente o que é. 

Ademais, quanto mais elevada for a posição de uma pessoa na escala hierárquica da natureza, tanto mais solitária será, essencial e inevitavelmente. Assim, é um benefício para ela se à solidão física corresponder a intelectual. Caso contrário, a vizinhança frequente de seres heterogêneos causa um efeito incomodo e até mesmo adverso sobre ela, ao roubar-lhe seu «eu» sem nada lhe oferecer em troca. Além disso, enquanto a natureza estabeleceu entre os homens a mais ampla diversidade nos domínios moral e intelectual, a sociedade, não tomando conhecimento disso, iguala todos os seres ou, antes, coloca no lugar da diversidade as diferenças e degraus artificiais de classe e posição, com frequência diametralmente opostos à escala hierárquica da natureza. 

Nesse arranjo, aqueles que a natureza situou em baixo encontram-se em ótima situação; os poucos, entretanto, que ela colocou em cima, saem em desvantagem. Como consequência, estes costumam esquivar-se da sociedade, na qual, ao tornar-se numerosa, a vulgaridade domina. 

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'